Saúde
Sono na infância: como lidar com a dificuldade de dormir das crianças

Para que um quadro seja caracterizado como transtorno crônico de insônia, ele deve acontecer mais do que três vezes na semana e durante um período superior a três meses. Sabe-se que que dormir de 30 a 60 minutos a menos por noite reduz significativamente a qualidade de vida relacionada à saúde e, quando isso se torna um problema persistente, impacta o funcionamento emocional, comportamental e cognitivo dos pequenos.
Por trás do sono inadequado podem estar fatores como , hábitos alimentares pouco saudáveis e obesidade. Os efeitos ainda se expandem para o funcionamento e bem-estar de toda a família.
No Brasil, não há dados oficiais sobre problemas de sono em crianças. A Associação Brasileira do Sono (ABS) trabalha com dados europeus e dos EUA que estimam que a prevalência da insônia pediátrica varia de 15% a 30% em crianças pequenas (3 a 5 anos), de 11% a 15% na idade escolar (6 a 12 anos) e de 20% a 30% em adolescentes.
Essas porcentagens são consideradas alarmantes, especialmente levando em conta as consequências do sono insuficiente nessas faixas etárias.
Desafio para os pais
O manejo da insônia infantil é um desafio para pais e especialistas em sono. Na maioria das vezes, o problema é exclusivamente comportamental: os hábitos da criança e até da família influenciam. O tratamento padrão-ouro nesses casos envolve a (que inclui estabelecer rotina, ir para a cama mais cedo, apagar as luzes e evitar telas, por exemplo) e, principalmente, mudanças comportamentais, que muitas vezes só são alcançadas com ajuda da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).
“A maioria das insônias na infância tem um forte componente comportamental. O primeiro passo é identificar esse comportamento problemático e tratá-lo. E isso não envolve apenas criar uma rotina, é preciso mudar hábitos”, explica a neurologista pediátrica Leticia Soster, do Grupo Assistencial do Sono do Hospital Israelita Albert Einstein.
Por exemplo: na hora de ir para a cama, a criança pode ter um comportamento de adiar o sono pedindo aos pais um copo de água, para ir ao banheiro ou ler um livro. “A criança faz isso como uma forma de resistir ao sono. À medida que os pais vão atendendo esses pedidos, isso vai se tornando uma rotina e a criança passa a estender cada vez mais a hora de dormir”, alerta Soster.
Segundo a neurologista, a base do tratamento da insônia é justamente quebrar esse padrão de comportamento. E esse é o maior desafio, já que grande parte dos pais não consegue entender que o problema é muito mais complexo. “A maior dificuldade é mostrar que não é somente fazer a sequência ‘banho-naninha-cama’ que vai dar certo. Não basta ter um quarto em tons pastel e achar que isso é o suficiente para um ambiente adequado ao sono”, avisa a neurologista.
Melatonina: sim ou não?
Especialistas da Europa atualizaram as diretrizes para os cuidados da insônia em crianças saudáveis, sem nenhum problema neurológico ou de desenvolvimento, em documento publicado recentemente no .
Eles reforçam a importância da higiene do sono, da mudança de hábitos (inclusive com uso do diário do sono) e da terapia cognitivo comportamental como primeiras opções para auxiliar os pais nessa tarefa de regular o sono dos filhos.
Nos casos em que nada disso funcionar, a diretriz sugere o uso de melatonina em baixas dosagens, por tempo limitado, e com acompanhamento médico.
Esse é um hormônio endógeno, produzido pela glândula pineal do cérebro, e cuja principal função é regular o ciclo circadiano, estimulando o sono ao final do dia. Apesar de ser naturalmente produzida pelo organismo, é possível obter a melatonina por meio de suplementação.
O documento reforça que os pais devem ser informados sobre potenciais eventos adversos do uso de melatonina e da falta de dados de segurança de longo prazo. A diretriz também aponta que o uso do suplemento não deve substituir as boas práticas, incluindo a higiene do sono.
Contudo, apesar das ponderações no documento europeu, a recomendação de melatonina chamou a atenção de especialistas, sobretudo por tratar do manejo da insônia em crianças saudáveis.
Na avaliação de Soster, a proposta de em crianças é “extremamente delicada” e pode passar a falsa impressão de ser um caminho facilitador e aumentar o consumo indiscriminado da substância.
“Se estamos afirmando que, na maioria das vezes, a insônia é causada por uma questão comportamental, por que prescrever um hormônio que vai preparar o corpo metabolicamente para o sono, se é possível fazer isso apagando as luzes à noite? Por que dar algo exógeno para uma criança que não tem deficiência desse elemento, e ainda sem estudos de segurança a longo prazo?”, indaga a médica do Einstein.
Soster ressalta que indicar melatonina para crianças saudáveis é diferente de recomendar o suplemento no caso daquelas com alguma doença neurológica, que sabidamente têm mais dificuldade para adormecer (inclusive afetando a produção e liberação da melatonina). Aí, sim, a substância pode ser uma aliada no tratamento.
“O problema dessa diretriz é que ela pode passar a impressão de que temos à mão uma opção mais simples – é só ir à farmácia, comprar e dar o produto para a criança – e muito mais atrativa para os cuidadores, que muitas vezes não estão dispostos a fazer toda essa revisão comportamental com a criança. Não é a falta de melatonina que faz a criança não dormir bem”, observa.
Diretrizes brasileiras
Por aqui, o último consenso envolvendo o tratamento de distúrbios do sono foi publicado em 2019, época em que a melatonina ainda não estava liberada para uso no país.
Foi somente em outubro de 2021 que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a venda de melatonina como suplemento, destinado exclusivamente às pessoas com mais de 19 anos e numa dosagem diária máxima de 0,21 mg.
“Nós citamos a melatonina no consenso de 2019 porque a utilizamos em algumas crianças em casos muito específicos. Mas é preciso ficar bem claro que o ideal é não medicar a criança”, frisa a neurologista pediátrica Rosana Cardoso Alves, da ABS, coordenadora da parte infantil do consenso brasileiro. Segundo Alves, os pequenos devem conseguir dormir espontaneamente. “A família precisa saber conseguir lidar com isso, e nós temos medidas de higiene do sono adequadas para auxiliar nesse processo.”
De acordo com a médica da ABS, a melatonina pode ser recomendada como adjuvante do tratamento de crianças com algum transtorno de desenvolvimento, como transtorno do espectro autista (TEA), ou alguma outra alteração de neurodesenvolvimento que possa atrapalhar o descanso noturno.
“Nos casos em que já estamos em tratamento e vemos que a família está exausta, a tentativa de dar melatonina para melhorar a estabilidade do sono é válida. Mas, como qualquer medicação, ela pode ter efeitos colaterais, por isso temos de monitorar muito de perto e, no caso de crianças, usar doses bem baixas”, ressalta Rosana Alves.
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