Política
Trump busca retorno ao comando após quase morte política e física
Político não convencional por excelência, Donald Trump, 78, poderá voltar à Casa Branca do mesmo jeito que lá chegou pela primeira vez, há oito anos, desafiando precedentes e probabilidades.
Se antes foi apenas o quarto presidente a ser eleito sem experiência anterior em cargo público -sendo que os outros três eram heróis de guerra-, agora pode ser o segundo a retornar após uma derrota.
Assim como Grover Cleveland, que governou nos períodos de 1885-89 e 1893-97, vai bagunçar a contabilidade dos historiadores: seria ao mesmo tempo o 45º e o 47º presidentes, já que mandatos não consecutivos recebem números diferentes.
Há quatro anos, ao perder para Joe Biden numa das mais apertadas eleições da história americana, Trump parecia ter chegado ao fim da linha. Seu golpismo explícito, ao estimular aliados a “encontrar votos” para ele, e o incentivo à invasão do Capitólio foram rechaçados até mesmo por figuras do seu partido, o Republicano.
Rivais internos mais jovens, como o governador da Flórida, Ron DeSantis, pareciam ter tomado controle da direita americana. A força da economia, com crescimento robusto e desemprego baixo, prenunciava uma reeleição assegurada para Biden.
Trump, no entanto, levantou da lona, moldando sua história a uma das fábulas favoritas da sociedade americana, a do “comeback kid”, o sujeito que volta à ribalta contra todos os prognósticos.
Ele manteve sua base energizada e fiel, denunciou os processos que sofre, inclusive o da invasão do Congresso, como perseguição comunista e aumentou a retórica anti-imigração, prometendo expulsar 12 milhões de estrangeiros sem documentação. No front econômico, beneficiou-se politicamente da inflação alta, que erodiu a popularidade de Biden. E, embora longe de ser um rapazote, rejuvenesceu na comparação com o declínio físico do atual presidente.
Se faltava uma imagem para este renascimento, ela veio em 13 de julho deste ano, quando Trump sobreviveu milimetricamente a um atentado a tiros durante comício na Pensilvânia. A imagem do ex-presidente ensanguentado, com o punho erguido e a bandeira americana ao fundo, entrou instantaneamente para a mitologia da campanha.
Uma questão em aberto é como Trump se comportará num eventual segundo mandato. Observadores da cena política americana apostam que ele governaria de forma ainda mais ideológica e radicalizada, disposto a aparelhar a burocracia americana com aliados incondicionais. Pior, movido pelo sentimento de vingança contra os que tentaram derrubá-lo.
Um erro frequentemente citado por aliados do ex-presidente é o de que ele não teria enfrentado a contento o “Estado profundo”, a máquina pública que teria sabotado seus planos no mandato anterior.
Trump, concordam todos, tem uma personalidade errática, capaz de explosões de temperamento intercaladas a momentos de fanfarronice.
Um brasileiro que teve contato com ele na Casa Branca diz que uma brincadeira que o ex-presidente costuma fazer com visitantes é acionar um botão vermelho que fica em cima de sua mesa, no Salão Oval, e dizer que acabou de detonar uma guerra nuclear sem querer. Instantes depois, entra um garçom trazendo um refrigerante, e ele cai na risada.
Também há momentos de empatia, embora reservados a aliados. Numa conversa com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que em 2019 havia sido indicado para embaixador nos EUA pelo pai, Jair Bolsonaro, convidou-o para se hospedar na Casa Branca até encontrar uma moradia definitiva na capital americana. Disse ainda que seria bom tê-lo como representante do Brasil em Washington, “no lugar de algum diplomata chato”.
Eduardo, embora no fim não tenha assumido a missão diplomática brasileira nos EUA, mantém relação próxima com o clã Trump. É ele quem traduz conversas de seu pai com o ex-presidente americano. Virou amigo e parceiro de caça de Donald Trump Jr., filho mais velho do republicano. Também tem relação próxima com Jason Miller, porta-voz da campanha, que já veio ao Brasil várias vezes (e se tornou palmeirense).
“A integração entre lideranças bolsonaristas e o círculo de Trump começou como uma admiração à distância, mas evoluiu para outro patamar. Agora é uma articulação política profunda”, diz Gerald Brant, brasileiro que trabalha no mercado financeiro nos EUA é um dos canais entre o bolsonarismo e a direita americana.
Em março do ano passado, Trump estava na primeira fila quando Bolsonaro discursou no encontro anual da Cpac, conferência conservadora americana, em Washington. “Trump tem um interesse pessoal muito alto pelo Brasil, acompanha de perto o que acontece no país”, diz Brant. A ofensiva do ministro Alexandre de Moraes (STF) contra bolsonaristas é um dos temas que interessam especialmente o americano.
Segundo um brasileiro que lidou com Trump enquanto presidente, seu estilo traz muito da experiência como empresário do mercado imobiliário, ramo que ele seguiu antes de entrar para o mundo das celebridades e, depois, da política. Ele é duro e faz questão de parecer inflexível, para obter a melhor oferta do interlocutor. Mas sabe quando chegou a um limite, e aí deixa para assessores fazerem concessões. O importante, afinal, é não parecer fraco.
O mercado imobiliário de Manhattan, um setor ultracompetitivo, foi sua formação, na década de 1970.
Quarto dos cinco filhos de Fred Trump, filho de alemães, e da escocesa Mary Anne MacLeod, passou a tocar as empresas da família após o irmão mais velho Fred Jr. ter escolhido seguir carreira de aviador.
Cursou uma das mais prestigiadas escolas de administração do país, a Wharton, da Universidade da Pensilvânia, onde se formou em 1968. Ambicioso, mulherengo (com uma série de acusações de assédio sexual e até de estupro) e com gosto pelos holofotes, transformou o sobrenome em uma marca, criando empreendimentos icônicos, como a Trump Tower.
Vieram em seguida resorts, cassinos e uma infinidade de empreendimentos midiáticos, alguns bem-sucedidos e outros que faliram. Nos anos 1980, o marketing em torno de Trump o transformou em guru e modelo de magnata bem-sucedido, explorado em vários best-sellers. Seu casamento com a modelo tcheca Ivana fez a alegria do jornalismo de fofocas.
No show business, Trump foi dono dos direitos do Miss Universo e apresentador de “O Aprendiz”, onde popularizou a expressão “você está demitido”. Até a campanha presidencial de 2016, suas incursões pela política eram ridicularizadas como factoides de uma das figuras mais excêntricas dos EUA das últimas décadas.
Mas ele inesperadamente ganhou, para depois perder, também de maneira incomum para um presidente no cargo. Agora, tenta fechar sua carreira com uma das maiores voltas por cima que a política americana já viu.
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