A juíza Michele Cristina Ribeiro de Oliveira, da Vara Única de Ribeirão Cascalheira, concedeu liminar ao Ministério Público de Mato Grosso (MP-MT) e suspendeu o contrato que previa a contratação da cantora Manu Bahtidão, uma das atrações artísticas da 9ª Queima do Alho, que seria realizado neste domingo (5). Na decisão, a magistrada apontou que sequer o valor a ser gasto na realização do evento é conhecido, tendo em vista que até mesmo os custos de palco e outros itens ainda nem haviam sido orçados pela Prefeitura da cidade.
A apresentação da cantora na cidade de 10 mil habitantes, conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), estava prevista para 5 de maio, último dia do evento, que tem início previsto para o dia 2 de maio. O custo geral do evento, conforme informação do Controle Interno do Município, é de R$ 372 mil. Somente o cachê da artista é de R$ 275 mil, sem incluir as outras despesas referentes ao evento.
Ao pedir a suspensão do show, o MP-MT apontou a “desproporcionalidade entre as ações prioritárias e violações sistemáticas de direitos fundamentais”. Entre os exemplos citados na petição, está o fato de que a cidade de Ribeirão Cascalheira não possui sequer saneamento básico, ou seja, não há tratamento de água e esgoto no município, o que motivou a instauração de um inquérito civil.
Também foi citado o descumprimento de uma ordem judicial quanto à disponibilização de vagas de creche dos alunos do Distrito do Novo Paraíso e a ausência de reforma e a destruição completa da Escola da Vila Berrante. Outro ponto destacado foi uma omissão da Prefeitura em relação a situação crítica nas estradas rurais, o que acaba impedindo o acesso de estudantes da zona rural e o tráfego dos demais habitantes destas localidades.
A lista de problemas apontados pelo MP-MT na cidade segue com o descumprimento de um convênio relacionado ao descarte de lixo e, por conta disso, grandes débitos referentes a multas administrativas ambientais. O órgão ministerial também relatou a ineficiência da Prefeitura em adotar providências necessárias à correção de severas erosões em ruas urbanas, comprometendo a segurança dos cidadãos.
Foi relatado ainda a existência de filas de espera para atendimento especializado e ausência de profissionais habilitados, além de irregularidades na prestação do transporte escolar para crianças e adolescentes. Por fim, o MP-MT destacou a ineficiência da Prefeitura em em adotar providências necessárias à proteção e preservação do meio ambiente, em particular das águas subterrâneas e lençol freático, assim como o abandono e a completa deterioração da biblioteca municipal.
Na ação, a Prefeitura relatou que o show da artista “Manu Bahtidão” seria custeado totalmente pela administração pública municipal, incluindo-se os gastos com hotel, alimentação e camarim. Em relação aos shows de Mario e Thizil, Wender e Falcão e Jiraya Uai, que também se apresentariam na Feira do Alho, estes seriam custeados pelo Governo do Estado, através da Associação Mato-Grossense de Cultura.
No entanto, o MP-MT relatou que não há nenhum documento que formalize esta parceria com a associação, ressaltando que, apenas para o show de Manu Bahtidão, o orçamento disponível seria de R$ 295 mil, sem incluir as demais despesas de ECAD, hotel e alimentação para 25 integrantes da banda, vans para translado local, abastecimento de camarins, carregadores para carga e descarga do material de apresentação da cantora, palco, som, iluminação e estrutura física dos camarins, todas previstas no contrato.
“O Ministério Público destaca que o Controle Interno Municipal afirmou que seria necessário fazer alocação de recursos para custear as despesas com a festa em voga, enquanto a municipalidade cascalheirense estaria padecendo com a ausência de ações efetivas do ente na materialização de direitos fundamentais, tais quais saneamento básico, educação pré-escolar, revitalização de estradas, entre outros, o que, na visão do órgão ministerial, configura o fenômeno da erosão da consciência constitucional”, diz o pedido do MP-MT.
Na decisão, a magistrada apontou que a Prefeitura emitiu declarações de disponibilidade orçamentária de R$ 312 mil para a Festa da Queima do Alho, sendo que R$ 301.573,09 já haviam sido empenhados. A maior parte deste montante seria utilizada para o pagamento do show, mas a juíza destacou que sequer houve contratação da estrutura de palco, iluminação e outros serviços adjacentes ao evento, e que os mesmos sequer haviam sido orçados pela administração municipal.
A juíza destacou ainda os apontamentos feitos pelo MP-MT, de que direitos fundamentais básicos estão sendo preteridos pela Prefeitura, relatando a existência de diversos inquéritos civis em tramitação. Por fim, a magistrada ressaltou que as provas juntadas aos autos demonstram a existência de obscuridade sobre o valor real a ser gasto pela administração municipal em relação ao pagamento dos artistas que se apresentarão na Festa do Alho.
“Vale dizer, é razoável admitir-se o controle jurisdicional na hipótese de alocação indiscriminada e obscura de valores em eventos festivos, a se realizarem em uma cidade de cerca de 10 mil habitantes, que experimenta deficiências de outras ordens em diversos setores de primeira necessidade, principalmente relacionadas a saúde, educação, segurança viária e transporte. Diante do exposto, defiro a antecipação dos efeitos da tutela e determino ao Município de Ribeirão Cascalheira que suspenda o contrato nº 07/2024 (atração artística “Manu Bahtidão – prevista para o dia 05/05/2024”) e atos dele decorrentes, inclusive suspenda o repasse de pagamentos e contratações suplementares (v.g. equipamentos de som, montagem de palcos e correlatos), sem prejuízo da manutenção de outras atividades necessárias à realização da “Festa Queima do Alho” de 2024”, destacou.