Judiciario
Família protocola queixa disciplinar contra desembargador afastado
Uma família de produtores rurais do Sul do Estado ingressou com uma reclamação disciplinar no Tribunal de Justiça contra o desembargador Sebastião de Moraes Filho, afastado por decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no dia 1º de agosto deste ano.
A queixa é assinada pelo espólio de Almindo Alves Mariano, Felício Alves Garcia, Sebastião Alves Garcia, Raulina Alves Pereira, Marcos da Silva Mariano, Antônio Alves Mariano, Sabino Alves de Freitas Neto, José Augusto Alves de Freitas, Edmundo Alves de Feitas, Cristiane Alves Marino, José Donizete Martins e Eussulia Maria de Sousa.
Luciano Polimeno entrou em contato com este advogado que ora subscreve, para propor um acordo para que não houvesse novo recurso contra o acórdão que seria proferido na sessão do dia 22, pois segundo ele, seria vencedor
Eles suspeitam de negociação de sentença em uma ação em que pediam a nulidade da venda de áreas da Fazenda Santa Lúcia, de 224 hectares, localizada em Guiratinga, além de um sítio de 10 hectares em Rondonópolis.
O advogado Carlos Naves, que defende a família, chegou a gravar uma conversa com Luciano Polimeno, da parte contrária, em que este sugere que está “gastando muito” para retardar o julgamento do caso no Tribunal de Justiça, onde o processo estava sob a relatoria de Sebastião de Moraes.
A reclamação foi protocolada no dia 21 de agosto na presidência do Judiciário e está sob análise da desembargadora Clarice Claudino, presidente do órgão.
Conforme os autos, em 2012 os herdeiros do fazendeiro Almino Alves Mariano foram procurados por Luciano Polimeno para realizar a negociação do imóvel de Rondonópolis e dos outros dois que englobam a Fazenda Santa Lúcia, de Guiratinga. Ao todo, a família recebeu R$ 157 mil pela venda.
Em 2019, no entanto, o espólio de Mariano ingressou com uma uma ação declaratória de nulidade de negócio jurídico e de escritura pública de cessão e transferência de direitos hereditários, apontando que a venda das terras não teve o consenso de todos os herdeiros e não observou os direitos de menores e de um maior incapaz, e portanto seria nula.
A ação foi proposta contra Luciano Polimeno, Alan Kiszewski Melo e Edison Luís Cavalcanti Garcia.
A Justiça de primeira instância suspendeu a venda, e Luciano Polimeno recorreu da decisão no Tribunal em outubro de 2022.
O processo caiu nas mãos do desembargador Sebastião Moraes Filho, que integra a Segunda Câmara de Direito Privado. Em janeiro de 2023, ele deu uma decisão monocrática revertendo o entendimento da primeira instância, sob alegação de cerceamento da defesa.
A família, então, ingressou com outro recurso. Segundo o advogado Carlos Naves, a partir da contestação da decisão de Moraes deu-se início a série de decisões por parte do magistrado cujo intuito seria “ganhar tempo”.
Durante a ligação telefônica, é possível constatar um misto de ameaça de morte contra este advogado
Na reclamação a família enumera as vezes em que o julgamento do recurso de apelação foi adiado.
Conforme o documento, a sessão de julgamento do dia 13 de setembro de 2023 foi adiada porque Sebastião retirou o processo de pauta.
Na nova data, 25 de outubro do mesmo ano, ele voltou a retirar de pauta para encaminhar para que o Ministério Público Estadual emitisse parecer. O entendimento do órgão, no entanto, foi de que não havia necessidade de entrar no caso.
No dia 6 de março de 2024, o julgamento voltou a ser adiado, desta vez por falta quórum, diz a defesa da família. Na nova data, 13 de março, Sebastião voltou a tirar o processo de pauta. No dia 3 de abril, o julgamento foi adiado por indicação de Sebastião.
O julgamento foi remarcado mais uma vez, agora apra 8 de maio de 2024, porém acabou sendo adiado para o dia 22 daquele mês por causa da ausência justificada do relator.
“Neste ínterim, no dia 18/05/2024 o apelante Luciano Polimeno entrou em contato com este advogado que ora subscreve, para propor um acordo para que não houvesse novo recurso contra o acórdão que seria proferido na sessão do dia 22, pois segundo ele, seria vencedor”, consta na reclamação.
De acordo com Carlos Naves, Luciano ligou para ele avisando que teria conversado com os desembargadores da Segunda Câmara de Direito Privado, “e que o resultado seria de 3 a 0, sendo que o relator Sebastião de Moraes Filho havia orientado a reunir com os reclamantes e fazer um acordo para que não houvesse mais nenhum tipo de recurso”. A Câmara era composta ainda pelas desembargadoras Marilsen Addario e Maria Helena Gargaglione Póvoas.
“Durante a ligação telefônica, é possível constatar um misto de ameaça de morte contra este advogado [Carlos Naves] e o inventariante [Sabino Alves de Freitas Neto] e proposta de suborno para fazer o acordo de não entrar com recursos”, diz o documento.
O advogado relatou ainda que, nas ligações, Luciano afirmou que “estava sendo gasto muito dinheiro para retirar o processo de pauta constantemente”.
No documento, Naves protocolou as atas notariais com a transcrição das conversas com Luciano e com o desembargador.
Veja fac símile da conversa entre o advogado Carlos Naves e o produtor Luciano Polimeno:
A conversa com desembargador
Na sessão da Segunda Câmara de Direito Privado, no dia 22 de maio, os magistrados proveram o recurso de apelação e reformaram a sentença de primeiro grau, julgando improcedentes os pedidos iniciais, como Luciano já havia anunciado a Carlos Naves.
A família então ingressou com novo recurso contra a decisão do colegiado. Antes da análise do recurso, contudo, no dia 19 de junho, Carlos Naves foi até o gabinete de Sebastião para relatar o que ouvira de Luciano na conversa por telefone. O advogado também gravou o encontro com o magistrado.
Segundo Naves, Sebastião o questionou do motivo de ele não ter o procurado antes do julgamento para fazer a denúncia sobre Luciano. O advogado teria respondido que “achava que o Luciano Polimeno estava blefando a respeito de estar acertado o resultado com os julgadores da 2ª Câmara”.
“Diante do breve relato sobre o caso, questionado por este advogado sobre o contrato nulo, o desembargador afirma que não há como convalidá-lo. Então, apontei que a saída seria sanar as omissões apontadas nos Embargos de Declaração, porém o relator afirmou que a partir do conhecimento da gravação, a única saída seria declarar a sua suspeição e das outras duas desembargadoras Marilsen e Maria Helena [que compõe a segunda turma]”.
“Ocorre que não foi essa a atitude do relator, tendo em vista que agendou o julgamento dos Embargos para a sessão ordinária que seria realizada entre os dias 14 de agosto a 16 de agosto de 2024, em Plenário Virtual. O processo somente não foi julgado em virtude do afastamento do relator”.
Veja fac-símile das conversas
Os pedidos
O advogado apontou que as conversas com Luciano e com Sebastião “revelam a presença do fumus boni iuris referente aos fatos, sendo que as provas trazidas revelam graves indícios de violação de deveres do cargo por parte do desembargador Sebastião de Moraes Filho”.
E por isso pede a instalação de um processo administrativo disciplinar, bem como a anulação da decisão da Segunda Turma do Direito Privado referente a ação de venda das terras.
O advogado também lembrou que o desembargador esta afastado das funções por conta de acusações de venda de sentença pelo CNJ, desde agosto deste ano.
“Dessa forma, sendo comprovado os fatos aqui narrados, o acórdão proferido pela Segunda Câmera de Direito Privado, composta pelo desembargador reclamado, deve ser anulado”.
O afastamento
No dia 1º de agosto deste ano, o então corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, afastou Sebastião de Moraes e o seu colega João Ferreira Filho, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por indícios de recebimento de vantagens financeiras indevidas.
A decisão foi convalidada pelos conselheiros dias depois.
Conforme o corregedor, os magistrados mantinham amizade íntima com o advogado, o que os tornaria suspeitos para decidir processos patrocinados por ele.
“As investigações acenam para um cenário de graves faltas funcionais e indícios de recebimento de vantagens indevidas”, afirmou o corregedor.
A decisão do corregedor tem ligação com informações contidas no aparelho celular de Zampieri.
Os dados do celular do advogado foram encaminhados ao CNJ no bojo de uma reclamação disciplinar aberta contra o juiz Wladymir Perri, ex-titular da 12ª Vara Criminal de Cuiabá, por supostas irregularidades na condução do inquérito policial que investiga o assassinato.
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