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Na era do fogo: novos paradigmas para a gestão e manejo das unidades de conservação no Pantanal mato-grossense

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CRISTINA CUIABÁLIA

Cristina Cuiabália

O uso do fogo pela humanidade permitiu grandes saltos na história da sua expansão pelo planeta. Acelerou a ocupação de quase todos os cantos terrestres e está na base do desenvolvimento de períodos determinantes do nosso modo de existir no mundo. Ao longo de tantos séculos, o emprego do fogo é, até hoje, um aspecto marcante da cultura humana em seus mais diversos arranjos, seja em grupos autóctones, comunidades rurais, ou ainda como ferramenta de ocupação de áreas naturais a serem destinadas a outros usos a partir da fragmentação dos ecossistemas. A diferença é que estamos em uma nova era, cujo traço mais categórico é a mudança do clima.

Nessa perspectiva, é necessário encarar a impermanência das culturas e a nossa adaptabilidade para atravessarmos esse novo tempo de outras formas possíveis. Há quem nomeie de Antropoceno, isto é, um momento histórico resultante de um modo de vida imediatista centrado no ser humano, gerando impacto negativo em escala planetária. E há autores que nomeiam o momento atual em que vivemos de Piroceno, uma perspectiva centrada no fogo, sobre a forma como os humanos continuam a moldar a Terra, como bem define Stephen J. Pyne, cientista e autor de referência na investigação sobre o fogo.

Pode não parecer, mas diante desse cenário há esperança, porque o fogo, assim como nós, humanos, é um elemento da natureza e um dos responsáveis pelo surgimento e propagação da vida na Terra, assim, existem caminhos possíveis para uma relação mais positiva entre fogo e humanos. As regiões onde temos acompanhado incêndios de grandes proporções, como a Austrália, Califórnia, Portugal, Espanha e Sibéria, nos contam que nossa forma de estabelecer territórios necessita de uma análise integrada para que o manejo do fogo resulte em vida e não em destruição em grande escala. O uso cultural do fogo hoje precisa levar em conta o novo contexto climático.

Em 2020, o maior incêndio florestal já registrado na história do Brasil, fez do Pantanal, uma das maiores planícies alagáveis do mundo, um imenso conjunto de cicatrizes, onde o fogo varreu extensas áreas rurais com comunidades, empreendimentos, fazendas e unidades de conservação. Na maior reserva privada do país, a Reserva Natural Sesc Pantanal, o impacto foi sem precedentes, porém, amenizado pelos quase 30 anos de manejo da unidade e pela força desmedida de uma equipe de brigadistas, guarda-parques e demais colaboradores.

Contextos como estes têm conduzido outras formas de manejar as paisagens. Historicamente, populações mantinham o uso do fogo sob controle para cultivar suas áreas no ritmo previsível das estações. Por muitos anos, o uso do fogo foi evitado em áreas naturais protegidas no mundo todo, considerando seus efeitos nessas áreas, destinadas a manter ou recuperar paisagens. Porém, com os efeitos das mudanças no clima cada vez mais acentuados, os quais desencadeiam condições mais extremas de escassez hídrica, se fez imprescindível vislumbrar novas perspectivas à cultura do uso fogo. Surge então o manejo integrado do fogo, conhecido pela sigla MIF, uma abordagem de gestão dos territórios rurais e de unidades de conservação que consiste em uma importante mudança de paradigma.

O pressuposto essencial dessa abordagem é a articulação entre três aspectos desse mesmo elemento: cultura, ecologia e manejo do fogo. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), referência principal do tema no país, o manejo integrado do fogo é uma abordagem já consolidada em outros países que considera estes três aspectos de modo interdisciplinar, para propor ações integradas que visam garantir a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas e a melhoria da go­vernança sobre o território. Neste entendimento, o manejo integrado do fogo, a partir de uma análise do contexto socioambiental, compreende um conjunto de decisões técnicas e de ações articuladas entre si, que buscam: prevenir, detectar, controlar, conter, manipular, usar ou não usar o fogo em uma determinada paisagem, com vistas a atingir metas e alcançar objetivos pré-estabelecidos.

Inaugurando esse novo tempo para a gestão e manejo das unidades de conservação, em especial no contexto do Pantanal mato-grossense, a Reserva Natural Sesc Pantanal assume a fronteira dessa nova abordagem somando a isso o trabalho realizado nos quase 30 anos de sua existência baseado essencialmente no desenvolvimento social. Sendo essa também a base fundamental do MIF, a reserva desenvolveu um processo inédito de elaboração de um Plano de Manejo Integrado do Fogo, seguindo os pressupostos do roteiro para elaboração do Plano de Manejo Integrado do Fogo das Unidades de Conservação Federais do IMCBio, lançado em 2022. Reunindo representantes dos diversos grupos sociais locais, que ocupam as áreas do entorno da reserva, foram facilitados diálogos para troca de saberes, experiências e percepções para desenharmos juntos uma nova forma de atuar na terra, tendo o fogo como centralidade do debate em busca dos caminhos para o meio de vida das pessoas que habitam nessa região do Pantanal.

Com esta missão, o Plano de Manejo Integrado do Fogo da RPPN Sesc Pantanal apresenta um percurso possível para as boas práticas de manejo, não se limitando apenas às unidades de conservação, mas com caminhos em construção que podem inspirar novas abordagens e fazeres, em benefício deste que é um bioma de importância mundial.

Cristina Cuiabália é bióloga, doutora em Ciência Ambiental e gerente geral do Polo Socioambiental Sesc Pantanal

Fonte: Rufando o Bombo

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Mais respeito ao SUS e à vida! Por Natasha Slhessarenko

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O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, oferecendo assistência integral, universal e gratuita a toda a população no Brasil. Sua criação, consolidada pela Constituição Federal de 1988, representa um marco na garantia do direito à saúde para todos os cidadãos.

Vamos destacar aqui a importância do SUS em seus vários aspectos, a começar pela garantia do acesso universal à saúde. Todos os cidadãos que o procuram, têm direito ao atendimento, independente de classe social, renda ou local de residência. A saúde é um direito fundamental de todos os cidadãos, esse é o princípio da universalidade.

Ao oferecer uma ampla gama de serviços, que vão desde a atenção básica até procedimentos de alta complexidade, envolvendo consultas, exames, cirurgias, vacinação, transplantes e fornecimento de medicamentos, lança luz sobre outro princípio, o da integralidade.



A atenção integral à saúde deve priorizar as ações preventivas, sem prejuízo das atividades assistenciais.




No âmbito da promoção e prevenção à saúde, o fortalecimento de toda a rede de atenção primária, com as equipes dos Programas de Saúde da Família, em alinhamento com os Agentes de Saúde e de Combate a Endemias, que levam saúde às comunidades, por meio das visitas domiciliares e acompanhamento contínuo das famílias, reforçam a magnitude e a importância deste princípio e o foco em prevenção e promoção da saúde.

Reforçando a jornada da promoção e prevenção à saúde, está o Programa Nacional de Imunização (PNI), um dos maiores programas de vacinação do mundo. Formulado  em 1973, ou seja, com mais de 50 anos, o PNI oferece 48 imunobiológicos, sendo 31 vacinas para toda população. São mais de 35 mil salas de vacinas espalhadas por este país de dimensões continentais, o que garante a aplicação de milhões de doses em um único dia, sem estratégias adicionais. Nenhum país do mundo tem Programa de Imunização maior que o nosso.

Outro pilar do SUS é a equidade, para a redução de desigualdades, ao promover a distribuição equitativa de recursos e serviços de saúde, alcançando áreas rurais e regiões remotas do país. Oferecer mais, para quem mais precisa. Além disso, desenvolve políticas e programas voltados para populações mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas e moradores de rua.

Durante a pandemia de COVID-19, o SUS mostrou a sua força e o seu tamanho, ao desempenhar importante papel na testagem, tratamento, acompanhamento dos pacientes e na vacinação da população.

O SUS também está preparado para responder a desastres naturais, fornecendo atendimento de emergência e suporte às vítimas.

O SUS também está presente quando o SAMU é acionado.

No campo da pesquisa e desenvolvimento, o SUS está ligado a importantes instituições de pesquisa, como a Fiocruz, que desenvolve estudos e vacinas, contribuindo para avanços na saúde pública. Aqui destacamos a formação e capacitação de profissionais de saúde, garantindo um quadro qualificado para atender às necessidades da população.

Ao centralizar a aquisição de medicamentos e equipamentos, estabelecer novos modelos de compra e propor compartilhamento de risco, o SUS consegue negociar melhores preços e condições, bem como oferecer mais para a sociedade, promovendo a sustentabilidade financeira do sistema.

Ao garantir acesso à saúde, o SUS contribui para a melhoria da qualidade de vida da população, reduzindo morbidade e mortalidade, facilitando a inclusão social, reduzindo as desigualdades ao proporcionar condições de saúde adequadas para que todos possam participar ativamente da vida econômica e social do país.

 


Natasha Slhessarenko é pediatra e patologista.

Fonte: Rufando o Bombo

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A reeleição é prejudicial ao próprio mandato! Por Wilson Carlos Fuáh

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Com o advento da reeleição, o político tão logo começa o seu mandato, já está pensando nas próximas eleições, e esquecem-se dos compromissos para qual foi eleito, deixa de ser ele mesmo, pratica todo tipo de traição, trocando de partido em busca de espaços, pratica conchavos e acertos, e vira um mentiroso por excelência, tornando um político de qualidade duvidosa e tornando um “lobista” dos  grupos econômicos.

Vende-se o mandato, a espera de financiamento para a próxima eleição e com a “Cara de Pau” vira um líder sem ideologia e sem autonomia para decisão pessoal, e passa a fazer composição de bancadas fatiadas aos seguimentos diversos, agrupando por interesses escusos  e “comem nas mãos” dos poderosos e endinheirados, garantindo assim, o financiamento de campanha com dinheiro não declarado, mais conhecido como Caixa 2, (dinheiro em espécie), esquecendo-se do povo que os elegeu.  

A origem do “Caixa 2”, nasce em função da reeleição, porque no poder, o político é procurado pelos Grupos Econômicos, para buscar facilidade nas decisões das instituições públicas, (no executivo e no legislativo),  promovendo projetos de leis direcionados para beneficiar as ações que possam  beneficiar os seus financiadores futuro, tais como:  incentivos e isenções fiscais, fraudes em licitações e contratos, subornos de servidores públicos.  E, ao fim, com esses financiamentos ilegais, desequilibram os pequenos candidatos na eleição, ou seja, o resultado das eleições são transformado em  fraudes, pois os  eleitores sem consciência, são comprados pelos recursos financeiros sujos e lastreados na corrupção em todos os níveis de poder.

O  “Caixa 2”, é filho  da reeleição, porque a necessidade de se reeleger é que levam os políticos, a se venderem, a serem usados em troca de financiamento do “Por Fora”, dinheiro sujo em espécie, e por não haver registro contábil nas contas do candidato, não passam pelas  Contas Bancárias,  e por isso, não são declarados, e por não serem declarados, não estão nas Prestações de Contas, mas quando os políticos são pegos ou denunciados pelos “delatores premiados”, vem a público dizer cinicamente que:  “a minha Prestação de Contas foram devidamente aprovadas na forma da lei e pela Justiça Eleitoral, portanto, vou ajuizar uma ação,  para reparação de dano moral contra a minha pessoa, pois esses delatores premiados,  não tem prova do que estão dizendo, são ilações e fantasias”.              

Vejam que todos falam as mesmas coisas: “nunca coloquei as minhas mãos em dinheiro sujo, sou honesto e honrado, e não vou admitir que ninguém venha a manchar minha história política”.  

Sem a reeleição, em cada eleição se promoverá uma nova mudança do quadro político, e com isso o país estará expurgando e extirpando os políticos viciados e dando oportunidade aos novos lideres, e passando o país a limpo.

As próximas eleições  serão  muito diferente, porque poucos que irão votar, com certeza quem se dispor a votar, irá fazer com raiva, com nojo da situação atual e estarão promovendo “um limpa ao não votar em quem tem mandato continuado”, porque só o eleitor tem o poder de escolher os políticos,  e não depende de Lei,  basta não votar naqueles que estão pedindo mais oportunidade de continuar roubando os cofres públicos. 

As eleições futuras virão carregadas de sentimentos de mudanças e que dará a grande oportunidade para que o povo possa expulsar os maus políticos da vida pública: é só escolher bem, digitar o certo, e confirmar.

Wilson Carlos Fuáh – É Especialista em Recursos Humanos e pesquisador das Relações Sociais e Políticas, Graduado em Ciências Econômicas

Fonte: Rufando o Bombo

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PL 1904/24 que equipara o aborto a homicídio/ por Regiane Freire

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A Câmara dos Deputados aprovou em caráter de urgência a votação do projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro, quando realizado após 22 semanas de gestação. Atualmente, a Lei garante o aborto em três situações: 1) para salvar a vida da mulher; 2) quando a gestação é resultante de estupro e 3) se o feto for anencefálico. Se o projeto for aprovado, condenará mulheres, adolescentes e crianças a responderem criminalmente por homicídio, caso façam aborto, obrigando a seguirem com a gestação.

 

O Código Penal prevê que, em casos de estupro, a pena para quem comete o crime varia entre 06 a 10 anos de prisão. Já o PL 1904 prevê pena de 20 anos de prisão para mulheres que realizarem aborto.

 

Mas qual o interesse político em levantar este assunto, colocando a pauta em votação de urgência? Interesses pessoais, ou melhor, ganância e poder. A direita conservadora vem pressionando para que este tema seja pautado na Câmara, seja para agradar eleitores ou para pressionar o governo com um tema delicado à nossa sociedade, haja vista a comoção social que o tema levanta. A preocupação principal do Presidente da Câmara é com seu eleitor interno (deputados), eis que teremos eleição para a presidência da Câmara, e Lira visa apenas o seu sucessor, que continuará mantendo a permanência do seu poder.

 

Em um país em que crianças são abusadas sexualmente e acabam encontrando resistência do próprio médico ao aborto, seja por crenças religiosas ou motivos pessoais.

 

Isso quando o caso não vai parar na justiça, onde a vítima também encontra relutância de alguns magistrados em conceder uma decisão favorável para que o aborto seja feito, demonstra que ao colocar um limite de tempo para que o aborto seja realizado, a vítima que tiver que aguardar médico ou a justiça, já teria alcançado as 22 semanas de gestação, e seria impedida de fazer o aborto. Estaríamos aí com um cenário de uma mãe traumatizada pela violência e mais uma criança para   adoção.

 

Quem tem o direito de escolher carregar ou não um filho gerado de uma violência sexual é a vítima.

 

Segundo o ministro dos Direitos Humanos Sílvio Almeida, o projeto infringe pactos internacionais firmados pelo Brasil, tornando o projeto inconstitucional, o que levará o assunto ao Supremo. Se for aprovado, será um retrocesso às garantias e direito adquirido por  mulheres a duras penas.

 

O Estado quer obrigar mulheres, adolescentes e crianças a seguir com uma gravidez resultado de uma violência sexual e responder criminalmente por isso. É brutal.

 

Regiane Freire é advogada e membro do Sindicato dos Advogados de Mato Grosso.

Fonte: Rufando o Bombo

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