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“Pedagogia do sofrimento” explica a morte de recrutas Bombeiros/ Eduardo Ricci

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O goiano Lucas Veloso Peres, 27, sonhava em ser bombeiro, a profissão mais valorizada e aprovada pela sociedade brasileira e mundial. Seu pai, Cleuvimar Veloso, disse que desde criança ele queria ser bombeiro e há cerca de um ano deixou a profissão de engenheiro eletricista em Goiás para se preparar em Cuiabá para a entrada na corporação. Seu sonho terminou de forma trágica na última terça, dia 27, quando morreu vítima de parada cardíaca durante um treinamento do curso de formação de soldados do Corpo de Bombeiros na Lagoa Trevisan, em Cuiabá.

Durante as conversas da semana anterior, o filho reclamou com o pai sobre o exercício no qual morreria. “Ele disse que estava ficando muito tempo dentro da água, 45, 50 minutos”, disse Cleuvimar.

Não foi uma fatalidade. Se as investigações forem feitas com seriedade, devem apontar que a morte de Lucas foi mais uma decorrente dos métodos violentos ainda usados na formação dos alunos, assim como aconteceu no caso de outro recruta morto na mesma lagoa em condições semelhantes, Rodrigo Claro em 2016.

A perícia apontou que a morte de Lucas Veloso Peres foi por afogamento. A Polícia Civil de Mato Grosso disse que a morte do aluno será investiga pela Justiça Militar, pois o aluno já é considerado um militar e, sendo assim, a competência para investigar o crime de militar contra militar é da instituição militar. O Corpo de Bombeiros de MT instaurou Inquérito Policial Militar para investigar morte do aluno.

O temor da sociedade é que o corporativismo prevaleça mais uma vez, dando ao caso Lucas um desfecho parecido com a condenação ‘simbólica’ da tenente responsabilizada pela morte de Rodrigo, afastando a possibilidade de responsabilização efetiva dos oficiais envolvidos também nesta morte recente. A tenente do CB responsável pelo treinamento de Rodrigo, foi condenada em 2021 a um ano de prisão, em regime aberto, pelo crime de maus-tratos.

Prints de conversas em grupos de WhatsApp entre alunos do curso de salvamento que participavam do treinamento sugerem que Lucas levou um ‘caldo’ antes de morrer afogado. Esta expressão popular é utilizada quando a pessoa mergulha contra a vontade. “Esforço físico na água” comenta um dos interlocutores. “Esforço físico meu p…foi caldo, eu tava com ele” corrige outro recruta. Colegas de Lucas disseram durante o enterro em Goiás que “ele nunca teve problemas de saúde, sempre praticou esporte. Foi um choque para todos. A cidade está em luto”.

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Outra vítima de maus tratos que podem ser considerados tortura foi Abinoão Soares, 34, que morreu afogado durante um treinamento militar no lago de Manso em 2010. Ele veio de Alagoas para participar de um treinamento para Tripulante Operacional Multi-Missão, realizado pela então Secretaria de Justiça e Segurança Pública. O militar passou mal depois de levar um ‘caldo’ na lagoa onde foi feita uma atividade de resistência. Segundo testemunhas, o policial foi afundado na água várias vezes, foi socorrido mas não resistiu. O Ministério Público denunciou os réus por tortura seguida de morte, mas o Conselho de Justiça Militar e o Tribunal de Justiça mudaram a qualificação do crime para maus-tratos, e com o passar do tempo, mais de dez anos, a sentença prescreveu. Na prática, o tenente-coronel responsável pelo treinamento está livre de punição.

Estudos feitos por pesquisadores sobre a formação de profissionais da segurança no Brasil atestaram o predomínio, no treinamento dos futuros PMs, de uma “pedagogia do sofrimento”. Estes métodos, que já vitimaram vários recrutas como os de Mato Grosso, ainda acaba por alimentar a violência dos agentes depois de formados – especialmente os das tropas de choque, contra cidadãos inocentes, suspeitos e bandidos nas ruas. “Na obtenção de um ‘brevê de virilidade militar’, é necessário um aprendizado voltado para o sofrimento físico e para as dores morais”, escrevem os policiais especialistas em segurança.

Os relatos colhidos por pesquisadores reforçam os resultados de uma pesquisa recente com 21 mil policiais no Brasil, que mostrou que 30% deles já tinham sofrido abusos físicos ou morais dentro de suas próprias instituições. Segundo o levantamento de 2014, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Fundação Getúlio Vargas e Secretaria Nacional de Segurança Pública, 28% dos policiais ouvidos afirmaram ter sido “vítima de tortura em treinamento ou fora dele” e 60% narraram situações de desrespeito ou humilhação por superiores hierárquicos. Essas técnicas, ainda muito utilizadas, são consideradas uma herança do regime militar aplicadas inclusive junto aos Bombeiros Militares.

Um artigo acadêmico publicado recentemente busca compreender a relação que se estabelece entre a cultura militarista e processos de socialização baseados no sofrimento na formação do bombeiro militar. Para tanto, o autor usou como exemplo paradigmático o caso da morte do aluno Rodrigo Claro em Cuiabá. As investigações apontaram a prática de tortura por parte da tenente instrutora de salvamento aquático. O texto conclui que a mesma pedagogia baseada no sofrimento físico e psíquico encontrada nas Forças Armadas e nas Polícias Militares, também faz parte da formação do bombeiro militar, instituição que já não é subordinada à PM mas mantém os mesmos métodos draconianos de formação.

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As informações prestadas em depoimento por alunos que participavam da aula com Rodrigo Claro, relatam que a vítima, durante a travessia da lagoa, recebeu diversos “caldos” da instrutora, ocasionando total desespero ao recruta, bem como episódios de vômitos e dores de cabeça. Os colegas testemunhas do fato afirmaram que “Rodrigo chegou a implorar para que a instrutora L. cessasse os afogamentos e igualmente pediu para não realizar o retorno da travessia, mas que foi obrigado a continuar, sendo praticamente carregado pelos colegas”.

Segundo os recrutas, “a instrutora sempre proferia palavras de baixo calão, ridicularizando e xingando os alunos” (Depoimento do aluno Caldas, – IPC, p.5). Outro aluno, identificado como Fonseca, afirma que “a Tenente os humilhava, chamando o pelotão de lixo, de burro e que por muitas oportunidades sentiu-se humilhado e depreciado como ser humano” – IPC, p.6). Em resumo, “a Tenente BM L. se impunha pelo autoritarismo e não pelo respeito” (IPC, p. 6). Ainda segundo palavras do aluno Caldas, a Tenente tinha conhecimento dos alunos que sentiam dificuldades para nadar, entre eles a vítima, e geralmente os tratava por “muquiço, monstros, burros”.

O Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso é uma instituição reconhecida e valorizada por toda a comunidade pelos relevantes serviços prestados em defesa da vida, do meio ambiente e da segurança das edificações. Seus dirigentes não podem permitir que novas vidas sejam ceifadas pela utilização de métodos violentos, uma cultura militar ditatorial que teima em resistir, privilegiando a aprendizagem pelo sofrimento mesmo quando se trata de instituições de caráter não bélico como os Bombeiros Militares.

As práticas culturais violentas nessas instituições, adaptaram o “caldo” como forma de seguir a ideologia pedagógica militar. A partir do “caldo”, o sofrimento pelo afogamento fortalece a crença de que o aluno pode obter a vitória sobre o medo, o cansaço, o fracasso em nome da virilidade, honra e coragem. A operacionalidade do “caldo” tem relação direta com a pedagogia do sofrimento e a morte dos recrutas.

O glorioso e indispensável Corpo de Bombeiros de Mato Grosso não merece ser denegrido por condutas inaceitáveis que já impediram que muitos jovens alcancem o sonho de servir à comunidade.

Eduardo Ricci é jornalista em Cuiabá

 

Fonte: Rufando o Bombo

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Quem matou o Pantanal? por LUIZ HENRIQUE LIMA

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Resposta talvez encontre paralelo numa das obras mais conhecidas de Agatha Christie

Essa é uma pergunta que será feita pelos nossos netos e bisnetos ao assistirem documentários sobre o que foi um dos mais belos biomas do planeta, rico em biodiversidade e absolutamente encantador para os que amam a natureza, a flora, os animais.

 

Quem matou? Por que o fizeram? Como permitiram?

 

Imagino a incredulidade, a revolta, a decepção e a tristeza das gerações vindouras, privadas de conhecer, visitar e viver nesse que foi um dos maiores patrimônios naturais que o homem destruiu.

 

A resposta à pergunta talvez encontre paralelo numa das obras mais conhecidas da escritora inglesa Agatha Christie, talvez a mais lida de todos os autores de romances policiais. Trata-se de O Assassinato no Expresso do Oriente, livro de 1934 que mereceu várias adaptações para o cinema e que é considerado um verdadeiro clássico pela engenhosidade e sutileza da trama. Sem querer estragar a surpresa para um futuro leitor, uma das soluções apresentadas pelo detetive Hercule Poirot foi a de que todos os personagens eram suspeitos e todos os suspeitos eram culpados.

 

É muito tentador encontrar um único culpado para a morte do Pantanal. Alguém com fisionomia de vilão e mente de psicopata como o ecocida que despejou de avião toneladas de veneno sobre milhares de hectares. É relativamente simples atribuir o agonizar do ecossistema a uma causa genérica, imperceptível e inimputável como “mudanças climáticas globais”.

 

No entanto, tais respostas, embora parcialmente corretas, são apenas uma fração da verdade. Há uma pluralidade de razões e uma coletividade de culpados, por ações e omissões.

É muito tentador encontrar um único culpado para a morte do Pantanal

 

Retornando à literatura, recordei-me de Hemingway que, na sua obra sobre a guerra civil espanhola, sentenciou: “Não perguntes por quem dobram os sinos; eles dobram por ti”.

 

Não pergunte quem matou o Pantanal. Quem matou o Pantanal fomos nós.

 

Fomos nós os que ateamos fogos para acelerar o desmate. Fomos nós os que substituímos as pastagens naturais. Fomos nós os que não investimos em saneamento nas cidades das bacias hidrográficas que alimentam o Pantanal. Fomos nós os que “flexibilizamos” a legislação ambiental e licenciamos garimpos e usinas hidrelétricas no entorno e no interior do bioma. Fomos nós os fascinados pelo discurso do crescimento econômico a qualquer custo. Fomos nós os que nos omitimos diante do desmonte dos órgãos ambientais e das unidades de conservação que só existem no papel. Fomos nós os que ignoramos os alertas de cientistas e ambientalistas.

 

Fomos nós os que adiamos providências e medidas preventivas. Fomos nós os que discursamos em favor da transição energética e continuamos subsidiando termelétricas a carvão e planejando megainvestimentos em jazidas de combustível fóssil. Fomos nós os cidadãos que elegemos bancadas do boi, mas somos incapazes de eleger bancadas do bio.

 

Somos nós os que devemos pedir perdão ao Pantanal e aos nossos netos e bisnetos.

  

Luiz Henrique Lima é conselheiro certificado e professor

Fonte: Rufando o Bombo

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Mais respeito ao SUS e à vida! Por Natasha Slhessarenko

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O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, oferecendo assistência integral, universal e gratuita a toda a população no Brasil. Sua criação, consolidada pela Constituição Federal de 1988, representa um marco na garantia do direito à saúde para todos os cidadãos.

Vamos destacar aqui a importância do SUS em seus vários aspectos, a começar pela garantia do acesso universal à saúde. Todos os cidadãos que o procuram, têm direito ao atendimento, independente de classe social, renda ou local de residência. A saúde é um direito fundamental de todos os cidadãos, esse é o princípio da universalidade.

Ao oferecer uma ampla gama de serviços, que vão desde a atenção básica até procedimentos de alta complexidade, envolvendo consultas, exames, cirurgias, vacinação, transplantes e fornecimento de medicamentos, lança luz sobre outro princípio, o da integralidade.



A atenção integral à saúde deve priorizar as ações preventivas, sem prejuízo das atividades assistenciais.




No âmbito da promoção e prevenção à saúde, o fortalecimento de toda a rede de atenção primária, com as equipes dos Programas de Saúde da Família, em alinhamento com os Agentes de Saúde e de Combate a Endemias, que levam saúde às comunidades, por meio das visitas domiciliares e acompanhamento contínuo das famílias, reforçam a magnitude e a importância deste princípio e o foco em prevenção e promoção da saúde.

Reforçando a jornada da promoção e prevenção à saúde, está o Programa Nacional de Imunização (PNI), um dos maiores programas de vacinação do mundo. Formulado  em 1973, ou seja, com mais de 50 anos, o PNI oferece 48 imunobiológicos, sendo 31 vacinas para toda população. São mais de 35 mil salas de vacinas espalhadas por este país de dimensões continentais, o que garante a aplicação de milhões de doses em um único dia, sem estratégias adicionais. Nenhum país do mundo tem Programa de Imunização maior que o nosso.

Outro pilar do SUS é a equidade, para a redução de desigualdades, ao promover a distribuição equitativa de recursos e serviços de saúde, alcançando áreas rurais e regiões remotas do país. Oferecer mais, para quem mais precisa. Além disso, desenvolve políticas e programas voltados para populações mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas e moradores de rua.

Durante a pandemia de COVID-19, o SUS mostrou a sua força e o seu tamanho, ao desempenhar importante papel na testagem, tratamento, acompanhamento dos pacientes e na vacinação da população.

O SUS também está preparado para responder a desastres naturais, fornecendo atendimento de emergência e suporte às vítimas.

O SUS também está presente quando o SAMU é acionado.

No campo da pesquisa e desenvolvimento, o SUS está ligado a importantes instituições de pesquisa, como a Fiocruz, que desenvolve estudos e vacinas, contribuindo para avanços na saúde pública. Aqui destacamos a formação e capacitação de profissionais de saúde, garantindo um quadro qualificado para atender às necessidades da população.

Ao centralizar a aquisição de medicamentos e equipamentos, estabelecer novos modelos de compra e propor compartilhamento de risco, o SUS consegue negociar melhores preços e condições, bem como oferecer mais para a sociedade, promovendo a sustentabilidade financeira do sistema.

Ao garantir acesso à saúde, o SUS contribui para a melhoria da qualidade de vida da população, reduzindo morbidade e mortalidade, facilitando a inclusão social, reduzindo as desigualdades ao proporcionar condições de saúde adequadas para que todos possam participar ativamente da vida econômica e social do país.

 


Natasha Slhessarenko é pediatra e patologista.

Fonte: Rufando o Bombo

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A reeleição é prejudicial ao próprio mandato! Por Wilson Carlos Fuáh

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Com o advento da reeleição, o político tão logo começa o seu mandato, já está pensando nas próximas eleições, e esquecem-se dos compromissos para qual foi eleito, deixa de ser ele mesmo, pratica todo tipo de traição, trocando de partido em busca de espaços, pratica conchavos e acertos, e vira um mentiroso por excelência, tornando um político de qualidade duvidosa e tornando um “lobista” dos  grupos econômicos.

Vende-se o mandato, a espera de financiamento para a próxima eleição e com a “Cara de Pau” vira um líder sem ideologia e sem autonomia para decisão pessoal, e passa a fazer composição de bancadas fatiadas aos seguimentos diversos, agrupando por interesses escusos  e “comem nas mãos” dos poderosos e endinheirados, garantindo assim, o financiamento de campanha com dinheiro não declarado, mais conhecido como Caixa 2, (dinheiro em espécie), esquecendo-se do povo que os elegeu.  

A origem do “Caixa 2”, nasce em função da reeleição, porque no poder, o político é procurado pelos Grupos Econômicos, para buscar facilidade nas decisões das instituições públicas, (no executivo e no legislativo),  promovendo projetos de leis direcionados para beneficiar as ações que possam  beneficiar os seus financiadores futuro, tais como:  incentivos e isenções fiscais, fraudes em licitações e contratos, subornos de servidores públicos.  E, ao fim, com esses financiamentos ilegais, desequilibram os pequenos candidatos na eleição, ou seja, o resultado das eleições são transformado em  fraudes, pois os  eleitores sem consciência, são comprados pelos recursos financeiros sujos e lastreados na corrupção em todos os níveis de poder.

O  “Caixa 2”, é filho  da reeleição, porque a necessidade de se reeleger é que levam os políticos, a se venderem, a serem usados em troca de financiamento do “Por Fora”, dinheiro sujo em espécie, e por não haver registro contábil nas contas do candidato, não passam pelas  Contas Bancárias,  e por isso, não são declarados, e por não serem declarados, não estão nas Prestações de Contas, mas quando os políticos são pegos ou denunciados pelos “delatores premiados”, vem a público dizer cinicamente que:  “a minha Prestação de Contas foram devidamente aprovadas na forma da lei e pela Justiça Eleitoral, portanto, vou ajuizar uma ação,  para reparação de dano moral contra a minha pessoa, pois esses delatores premiados,  não tem prova do que estão dizendo, são ilações e fantasias”.              

Vejam que todos falam as mesmas coisas: “nunca coloquei as minhas mãos em dinheiro sujo, sou honesto e honrado, e não vou admitir que ninguém venha a manchar minha história política”.  

Sem a reeleição, em cada eleição se promoverá uma nova mudança do quadro político, e com isso o país estará expurgando e extirpando os políticos viciados e dando oportunidade aos novos lideres, e passando o país a limpo.

As próximas eleições  serão  muito diferente, porque poucos que irão votar, com certeza quem se dispor a votar, irá fazer com raiva, com nojo da situação atual e estarão promovendo “um limpa ao não votar em quem tem mandato continuado”, porque só o eleitor tem o poder de escolher os políticos,  e não depende de Lei,  basta não votar naqueles que estão pedindo mais oportunidade de continuar roubando os cofres públicos. 

As eleições futuras virão carregadas de sentimentos de mudanças e que dará a grande oportunidade para que o povo possa expulsar os maus políticos da vida pública: é só escolher bem, digitar o certo, e confirmar.

Wilson Carlos Fuáh – É Especialista em Recursos Humanos e pesquisador das Relações Sociais e Políticas, Graduado em Ciências Econômicas

Fonte: Rufando o Bombo

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