A Comissão Pastoral da Terra (CPT) emitiu nota nesta segunda-feira (27) denunciando a prisão da defensora pública de Mato Grosso, Gabriela Beck, da coordenadora da Comissão Pastoral da Terra, Kamila Picalho, do agente da Pastoral, Valdir Seze, e do padre Luís Cláudio, da comunidade de São Félix do Araguaia, pela Patrulha Rural da Polícia Militar de Mato Grosso. Segundo o CPT, todos foram detidos nesta tarde em resposta à ocupação realizada durante a madrugada em parte da Fazenda Cinco Estrelas, de propriedade da União, naquele município. Além deles, pelo menos 12 trabalhadores sem-terra foram detidos.
Segundo a CPT, as detenções foram feitas sem ordem judicial e com truculência. O local corresponde à área onde o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) criou o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Novo Mundo, localizado no município de Novo Mundo, Gleba Nhandú, norte de Mato Grosso.
Imagem Ilustrativa/Christiano Antonucci/Secom-MT
Após a ação de ocupação, as famílias teriam sofrido violência por parte de jagunços do grileiro da área, que teriam tentado expulsar os trabalhadores com o uso de um trator. Já no início da tarde, a Patrulha Rural realizou a detenção de trabalhadores, da defensora pública e dos agentes pastorais que estariam no local para assegurar a integridade das famílias e mediar o conflito, uma vez que as mesmas relataram a situação de extrema violência em comunicado para a CPT Mato Grosso.
“Pelo apelo das famílias no comunicado, é possível perceber o temor frente ao histórico já conhecido da atuação truculenta da Patrulha Rural de Mato Grosso, e por isso a presença solidária dos agentes da CPT. Isso fica mais evidente quando, ainda no comunicado, as famílias destacam o receio de sofrerem mais violência, solicitando da pastoral o apoio e que as providências necessárias sejam tomadas com máxima urgência, a fim de resguardar nossas vidas e nossa integridade física”, diz trecho da nota pública da Comissão..
Segundo a CPT, a atuação da polícia contou com uma série de abusos. Mulheres teriam sido revistadas por policiais homens, que também teriam agredido fisicamente os trabalhadores com socos e pontapés, além de terem apreendido celulares.
“Após a tentativa frustrada de diálogo por parte das famílias e agentes, os policiais anunciaram a prisão e encaminharam trabalhadores e agentes para o batalhão da Polícia Militar de Novo Mundo. A truculência da Patrulha Rural se estendeu, também sem ordem judicial, para o assentamento PDS Nova Conquista II,”
Trecho da nota da CPT
“Após a tentativa frustrada de diálogo por parte das famílias e agentes, os policiais anunciaram a prisão e encaminharam trabalhadores e agentes para o batalhão da Polícia Militar de Novo Mundo. A truculência da Patrulha Rural se estendeu, também sem ordem judicial, para o assentamento PDS Nova Conquista II, localizado em frente ao local da ocupação, um ponto de apoio das famílias que reivindicam a área da Fazenda Cinco Estrelas, que mantém acampamento há anos à beira da estrada, à espera da efetivação do PDS Novo Mundo. A violência da polícia seguiu com a destruição de barracos dos acampados, impedindo ainda qualquer circulação na área, bloqueando os acessos pelas estradas, além de proibir as famílias de retirarem seus pertences do local”, detalha a nota.
Conforme a Comissão, há um pedido de mandado de segurança, cujo relator é o dezembargador João Carlos Mayer Soares, que garante o Incra na posse da Gleba e o assentamento das famílias. O mandado ainda não foi julgado.
“É lamentável que o sofrimento das famílias acampadas tenha se tornado um ‘caso de polícia’, quando deveria ser entendido como uma dívida histórica do Estado brasileiro”, conclui a nota pública da CPT.
A ocupação
Segundo a CPT, as 74 famílias que fazem parte do campamento União Recanto Cinco Estrelas, sendo aproximadamente 200 pessoas das quais 50 são crianças, viveram por 20 anos debaixo de lona, na beira das estradas, em situação de extrema vulnerabilidade. A área ocupada pelas famílias pertence à União, conforme sentença em Ação Reivindicatória que tramitou na Justiça Federal de Sinop, a qual reconhece a propriedade da área da Fazenda Cinco Estrelas, como sendo da União.
Além disso, a sentença também antecipa tutela para que a autora seja imitida na posse de 2.000 hectares, área na qual, em abril do corrente ano, o Incra criou o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Novo Mundo, conforme Portaria nº. 457/2024, de 10 de abril de 2024, com capacidade para assentar as 74 famílias.
Porém, uma decisão liminar em sede de mandado de segurança que tramita no TRF1, proferida em julho de 2021, impede a imissão da União na posse da área e, consequentemente, a implementação da política pública de reforma agrária. Desde a decisão liminar, não houve nenhuma nova deliberação no processo, mesmo com recurso interposto pela União e com diversos despachos realizados pelos mais diversos órgãos e entidades, com o relator do MS, que atualmente é o Desembargador João Carlos Mayer Soares.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em conjunto com o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), emitiu a Recomendação ao TRF1 em setembro de 2023, do julgamento imediato do Mandado de Segurança.
“Importante ressaltar que a ocupação se deu em menos da metade da área ocupada ilegalmente pelo grileiro, que, segundo a portaria de criação do PDS, assentará 74 famílias, mais de 200 pessoas, restando, ainda, o remanescente de aproximadamente 2.400 hectares, sob detenção do ocupante ilegal da área. Além disso, destaca-se que não há nenhuma decisão judicial para que se efetue eventual despejo das famílias”, diz a CPT.