Casos de violência contra o idoso em Cuiabá já somam 917 inquéritos na Delegacia Especializada de Delitos Contra a Pessoa Idosa (DEDCPI), sendo que 95% dos casos investigados aconteceram dentro de casa, no seio familiar, segundo alerta o delegado Marcos Veloso. Um exemplo disso ocorreu na última semana, quando um idoso de 71 anos foi resgatado de um lar com escaras no corpo e a pele em carne viva. A situação extrema resultou na morte da vítima.
“Na maioria dos casos que chegam até a delegacia é a família quem agride ou abandona o idoso, é sempre por um desajuste familiar”, afirma.
Imagem Ilustrativa/Pixabay
Os crimes combatidos pela DEDCPI envolvem violência física, psicológica, sexual, financeira, negligência e abandono contra as pessoas acima de 60 anos. Alguns casos de maus-tratos acabam resultando em óbito, como o desse idoso de 71 anos, que faleceu na UPA do Jardim Leblon, na Capital. A situação apenas foi descoberta após denúncia feita a uma equipe da clínica da família do CPA II, quando esta fazia um atendimento. A equipe foi até a residência em que o idoso estava e o encontrou em um estado gravíssimo de saúde.
“Nos pés, os dedos não tinham carne, só os ossos, literalmente. No pé direito, o calcanhar dele não existia, só o osso. O que tinha de carne estava necrosada. Nas costas ele tinha uma escara que ia da coluna à bacia. O médico chorou, a equipe chorou. Como é que uma pessoa chega nessa situação? Esse foi o caso mais triste que já presenciei, não só aqui na Delegacia do Idoso, mas em todos esses anos na Polícia”, relata o delegado, emocionado.
O idoso foi transferido para a UPA, mas não resistiu e foi a óbito. A equipe médica afirmou que a situação deveria estar grave há, pelo menos, seis meses para chegar a esse ponto. Agora, um inquérito foi instaurado para a Polícia Civil identificar a família e os responsáveis pela vítima. “A Constituição Federal, no artigo 230, estabelece que a família, a sociedade e o estado têm a responsabilidade sobre o idoso”, ressalta.
Rodinei Crescêncio/Rdnews
O delegado Marcos Veloso, titular da Delegacia Especializada de Delitos Contra a Pessoa Idosa, em Cuiabá
O vilão está dentro de casa
Segundo o delegado, os casos de maus-tratos são os mais comuns a serem investigados na unidade e não têm, necessariamente, relação com agressões físicas.
“Maus-tratos é você deixar sua mãe em casa trancada e não suprir ela com a medicação, com o alimento que ela precisa, com o mínimo de uma atividade física. É manter o idoso em um local insalubre, um quarto sujo, que não é arejado, deixá-lo sem contato social. Diferente de como muitos veem, maus-tratos não é apenas a violência física – esse é o extremo -, mas é também a falta de cuidados com o idoso”, afirma.
Conforme pontua Marcos Veloso, grande parte dos casos de maus-tratos tem como cerne questões financeiras, quando os familiares entram em disputa pelo legado do idoso – seja aquilo que ele construiu ao longo da vida, a aposentadoria ou até mesmo quem vai gerir o patrimônio dele.
“Para prevenir esses casos é preciso da Educação, não tem outro jeito. Não vai ser colete, não vai ser fuzil, não vai ser viatura que vai mudar isso. O que vai mudar é a forma como enxergarmos nossos idosos”
Marcos Veloso
“Há situações em que o idoso tem uma lucidez plena, o raciocínio lógico perfeito, mas não tem uma mobilidade e designa um procurador para gerir a sua situação, e nem sempre é um filho, e aí começa a briga na família. O que eu poderia dizer é que, na maioria das vezes, o idoso é vítima dentro da família, seja por negligência, seja por omissão”, explica.
A delegacia apura, também, casos de vítimas de estelionato familiar. “Tenho um caso de um idoso que vendeu um imóvel e recebeu o dinheiro. Então um ente familiar pediu um valor emprestado, o idoso disse que tinha, o parente pegou o aplicativo do celular e fez a transferência. Quando o idoso foi no banco concretizar uma ação, não tinha como fazer porque o parente havia sacado tudo, um valor dez vezes maior que tinha informado. Então o idoso fica refém do ambiente familiar”, pontua o delegado.
Veloso cita ainda casos de filhos que se apropriam da aposentadoria sem repassar nada para os pais e sem oferecer a eles o básico para uma vida digna, além de situações em que um adulto começa a agredir o idosos como meio de exigir o dinheiro dele.
Falta de conscientização e estrutura do Estado
No dia 15 de junho é celebrado o Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. Para o delegado, o maior desafio é estruturar uma rede de proteção do idoso. Ele cita como soluções viáveis dois exemplos: as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) e os Centros Dia para Idosos – este último funciona como uma creche. Esses sistemas já estão em funcionamento em outros estados e são de suma importância para dar o auxílio necessário à pessoa idosa.
“A nossa parte, a Polícia Civil, vem se preparando para isso. Nós vamos mudar para uma sede melhor, teremos assistentes sociais e psicólogos nessa nova sede, um efetivo melhor. Mas precisamos de uma outra estrutura, tanto do Município, do Estado, quanto do Governo Federal, para que possa haver uma retaguarda na nossa ação. Além disso, para prevenir esses casos é preciso da Educação, não tem outro jeito. Não vai ser colete, não vai ser fuzil, não vai ser viatura que vai mudar isso. O que vai mudar é a forma como enxergarmos nossos idosos”, finaliza.